Despedida de Siena

Quando comecei o blog, há cerca de 4 anos, a minha ideia é que ele fosse um espaço onde eu pudesse compartilhar experiências mas, principalmente, guardar lembranças. Todas elas. E são todas especiais, mas as das despedidas são sempre um pouco dolorosas. Por um lado isso é bom, significa que tudo valeu a pena. Por outro, é sempre difícil ter que despedir, principalmente pra mim que sou tão apegada a pessoas (por mais que elas não saibam disso), a lugares, a coisas...

Enfim. Minha última semana em Siena foi de grande angústia. E por mais que eu não quisesse pensar na despedida, era inevitável. Como eu disse no último post, a Ana estava viajando e aproveitei a semana para, pouco a pouco, encontrar pessoas que cruzaram meu caminho nesse tempo, mas, de modo geral, meus dias foram mais solitários. Revezava meu tempo em casa, no bar, e nas minhas voltas pela cidade. Eu tinha que arrumar malas, comprar souvenirs, resolver burocracias da faculdade, mas eu, pra variar (e mais do que nunca), fui deixando tudo pra última hora e adiando tudo o máximo possível. Eu estava feliz por rever família e amigos, mas confesso que a tristeza de deixar Siena estava maior. Às vezes aproveitava que estava sozinha, sentava na Praça e chorava ao pensar que dali a poucos dias não teria mais a vista daquela Torre que amo tanto. No bar, a turma de sempre sentia a nossa partida.




Viki, minha coinquilina queridíssima!
Comecei a arrumar minha mala no final de semana anterior, mas meu ritmo estava lentíssimo! Eu ia pro bar passar o tempo e cada vez que resolvia ir pra casa tentar algum progresso o Davide repetia “Até daqui a pouco! Sei que você não vai aguentar meia-hora e vai voltar!” E ele estava certo.

Comprar os souvenirs foi outro problema. O dinheiro estava acabando e eu sou péssima pra escolher presentes (coisa de gente egoísta...). Além disso, ainda tinha a preocupação com o tamanho da mala: até o último dia ainda tinha esperança de que não precisaria comprar outra.


Quarta-feira, saímos para jantar eu, Davide, Alessandro, Marzia e a Jéssica, amiga da UFMG que faria intercâmbio em Siena e chegara na véspera. Aproveitei para apresentar gente pra ela. O Davide sugeriu um lugar com comida típica: vinho, uma tábua de queijos, salames, presuntos e essas coisas, e um gnocchi pra fechar! Comemos horrores e fiquei feliz de tê-los reunido por mim! Depois encontramos o Giuseppe Uccheddu e seguimos pro Arcádia, onde rolava festas Erasmus toda quarta. Em um certo ponto o pessoal resolveu ir embora. Eu que encontrei vários Erasmus e não Erasmus com quem cruzei ao longo do semestre quis ficar: Giuseppe Coppola, Sofia, Magda, Jéssica, Carlos, Veronika, etc. E a Maryna. Na hora que eu estava indo embora nos abraçamos e foi um abraço forte e triste. Prometi a ela que no dia seguinte nos encontraríamos pra tomar um café e despedirmos.

Quinta-feira. Último dia em Siena. Eu dormira pouquíssimo à noite e estava bem cansada, mas, como deixei tudo pra última hora, foi a maior correria. Passei no correio pra despachar alguns livros, continuei (leeeentamente) a arrumar a mala, almocei com o Davide, voltei pra mala, fiz unha, passei no banco pra pagar a última mensalidade da residência, passei na reitoria para entregar os últimos documentos, fui à estação de ônibus comprar a passagem pra ir pro aeroporto e voltei pra reitoria pra encontrar a Maryna. Passamos numa loja pra eu comprar mais uma mala (não teve jeito!) e seguimos pra casa dela onde passamos um tempo fofocando. Escrevi uma cartinha pra ela e dei de presente a bandeira do Brasil que ficava no meu quarto. Na hora de ir embora, as primeiras lágrimas, ainda que discretas, rolaram.

Maryna!
Voltei pro bar. A Ana tinha voltado de viagem e estava por lá. O bar estava cheio, estava tendo jogo da Roma e quem não estava vendo o jogo apareceu pra despedir: Eugenio, Massi, Giorgio... Até o velho dançante chato veio despedir! Eu estava cansada, com sono e super desanimada, mas a Ana me convenceu a sair pra dar pelo menos uma voltinha. Os meninos falaram que sairiam se a Roma ganhasse. Giuseppe Uccheddu disse que estava cansado, talvez sairia, mas apareceria pra dar um abraço. Passei em casa pra despedir da Viki, minha colega de quarto, que dormiria fora. O quarto estava um caos! Eu ainda tinha muita coisa pra arrumar... Faria isso de madrugada...

Voltei pro bar, a Roma ganhou! O Giuseppe Uccheddu apareceu dizendo que sairia com a gente! Giulia me mandou mensagem falando que queria me ver! E assim começou uma das noites mais especiais! Fomos pra Birreria, bar na praça que íamos com frequência e encontramos com a Giulia. Eu não tinha mais dinheiro, só uns poucos euros pro táxi e o pessoal pagou minha bebida.

Davide, Marzia, Giuseppe Borgese, eu e Ana
Giuseppe Uccheddu


Última foto da Torre...

O Giuseppe Borgese "faria a manhã" no dia seguinte e não ficou muito. Mas insistiu pra me encontrar de manhã cedinho pra me ajudar com as malas e me acompanhar até o ônibus. Marzia, que também trabalharia cedo, foi embora com ele... Ficamos mais um tempo na Birreria e resolvemos subir. Morávamos todos para o mesmo lado e fomos subindo juntos. No caminho fui me despedindo na medida em que nos separávamos. A primeira foi a Ana. Paramos todos na esquina sem saber muito o que fazer, como reagir. O Davide, então, começou a brincar, numa tentativa de desviar o foco, e entrei no jogo. Mas tínhamos que ir... Rolou uma expectativa grande para ver como seria nossa despedida, já que todo mundo sabia que eu e a Ana éramos inseparáveis. “Gente! Pode chorar! Nem uma lágrima?” Não. Nem eu nem a Ana costumamos chorar em público. Além disso, não é preciso muito pra saber que sou um desastre pra demonstrar emoção e afeto (embora todo mundo soubesse o quanto eu estava triste). Seguimos. E cada despedida foi ficando mais difícil. A próxima foi a Giulia: “Prometti che mi manderai un ‘oh genteee’ quando sarai arrivata in Brasile?”. L'ho fatto. Depois o Davide: “Sei buona, Pauligigna... Ci mancherai... Ti aspettiamo in Italia!”. Por fim sobramos eu e o Uccheddu, que morávamos na mesma residência. Diminui o passo. Eu não queria chegar em casa. Não queria que tudo aquilo terminasse: “Se sei cosi triste significa che è stata uma buona sperienza. Devi pensare a questo. Se non ci fosse una fine non avresti capito il valore di tutto questo... E poi, sai che quando tornerai in Italia, ci saranno tanti amici che ti aspetteranno e ti ospiteranno.”.


"Certe notti somigliano a un vizio che non voglio smettere, smettere mai..."

Chegamos na residência, cada um foi para um lado, pois morávamos em blocos diferentes, e assim que virei e comecei a subir as escadas comecei a chorar. Chorar de verdade e muito. Em toda a viagem isso só tinha acontecido uma vez, no dia em que minha mãe mandou meu presente de natal com corações e bombons... E o quarto estava um caos, ainda tinha horrores de coisas pra arrumar. Deitei na cama pra me acalmar antes de recomeçar com a mala. Não coube tudo. Joguei muita coisa fora e deixei outras tantas pra trás. Dei minhas coisas de cozinha para uma menina da residência que conhecera uns dias antes. Lá pelas 4h30 da manhã fui tomar banho. 5h50 e eu ainda estava colocando as últimas coisas na mala. 6h. Sentada na mala tentando fechá-la. Saí e fui encontrar o Giuseppe Borgese no bar. Descemos até a residência e busquei as malas. Enquanto isso meu táxi chegou. Despedi do Giuseppe que me entregou 20 euros: “10 miei e 10 di Davide. Così mangi qualcosa in aeroporto. Ci paghi quando torni in Italia. Ho già dato 10 euro al tassita e non ti devi preoccupare a questo”. Um último abraço apertado e recomecei a chorar. 

Entrei no táxi chorando cada vez mais, a cada esquina: última vez que subia a Via delle Sperandie, que passava em frente ao bar, que via a Praça, a Torre, que subia a Via Banchi di Sopra e finalmente chegava à Piazza Gramsci por onde passei tantas vezes... Desci do táxi chorando horrores, esperei o ônibus chorando horrores e ele chegou lá pelas 6:40. Entrei no ônibus ainda chorando horrores, mas o cansaço começou a falar mais forte e dormi um pouco. Além disso, dormir é sempre bom pra evitar meus enjoos de quando ando de ônibus. O ônibus saiu de Siena e seguiu direto pra Fiumicino, o aeroporto de Roma. Foram cerca de 3h de viagem e, quando cheguei a Marcela já estava me esperando junto com a Marillon e o Ígor, amigos dela que também estavam morando em Roma. Todos com cara de choro. Fomos então direto pro check-in. Minha mala não passou, estava pesada demais. Aproveitamos que a da Marcela estava mais vazia e passamos coisas pra mala dela... Era hora de embarcar e aí acompanhei as dolorosas despedidas da Marcela. Àquela hora eu já estava mais calma. Embarcamos e no voo até Lisboa fomos contando sobre nossos últimos dias, nossas despedidas etc.

Chegando em Lisboa, ligamos nossos celulares e nos deparamos com várias mensagens de amigos desejando bom retorno. Foi o suficiente pra recomeçarmos a chorar.



O resto da viagem foi bem cansativo, mas ocorreu tudo bem. Apesar desse drama todo, foi bom voltar pra casa e ver meu pai. Era o fim dos melhores 6 meses da minha vida. Seis meses de aprendizado, de auto-conhecimento, de fortalecimento, de alegrias, apertos e das emoções mais intensas. Seis meses que me tiraram da zona de conforto, que me motivaram a buscar mais, a ser melhor em todos os sentidos e a correr atrás dos meus sonhos. Descobri que tenho sonhos e que a vida não é só a vida acadêmica. Descobri que quem faz minha vida sou eu e que sou o resultado de minhas experiências e escolhas e que mesmo as escolhas erradas fazem parte do aprendizado, mas que é preciso confiança, que está tudo certo. A Itália me espera, estou me organizando pra voltar no ano que vem, mas ainda tenho o mundo pra descobrir!

"Sono sempre sogni a dare forma al mondo..."

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