A história das galinhas

Quarentena ainda está aí e resolvi voltar a escrever. Se o blog sempre foi um blog de viagem, achei que era hora de ampliar as histórias, com histórias de viagem e de vida. E resolvi começar com uma história de infância. Ou várias em uma só.

Quando eu tinha uns 6 anos, meus pais compraram um lote em um condomínio em Lagoa Santa, há uns 40 quilômetros de BH. Sempre gostei muito da natureza e ir pro Lote todo final de semana era uma diversão. Nós passávamos na padaria da cidade, meus pais compravam nuggets pra mim e outros comes e bebes e passávamos o dia lá fazendo de tudo: capinando, plantando, catando pedras, cristais, sementes e qualquer coisa com cara de colecionável. Mesmo depois da primeira parte da casa pronta, já que ela foi construída em duas etapas, eu ainda chamava de Lote. 


Acontece que no fundo do terreno tinha uma mata e meu pai tem fobia de cobra. Para evitar, então, que elas aparecessem, acabou comprando duas Galinhas d’Angola. Foi feito,  um galinheiro no fundo do terreno com umas telhas apoiadas na cerca de onde elas fugiam de tempos em tempos. Eu sempre amei animais e ter galinhas em casa era algo simplesmente incrível, ainda que não fossem animais exatamente domesticáveis. Eu ouvia dizer que os ovos das Galinhas d’Angola eram verdes e eu não via a hora de pegar os primeiros ovos!

Pouco tempo depois foi a festa junina do condomínio e, naquele ano, leiloaram um casal de galinhas Garnizé. Ele, baixinho como todo galo Garnizé mas todo pomposo. Ela, pretinha e pequena. Eu fiquei ENLOUQUECIDA querendo. Fiquei no pé do meu pai mas ele não me deu muita atenção, o leilão aconteceu e eu fiquei sem as galinhas. Foi uma decepção enorme. Elas foram arrematadas por R$40 e aquilo não parecia muito... Foi aí decidi transformar a decepção em ação, e, com uma persistência que não é muito comum pra mim, resolvi descobrir quem levaria as galinhas. Descoberta feita, fiz meu pai ir até a pessoa e oferecer mais que aqueles R$40 para que eu ficasse com as galinhas. O homem, vendo que tudo que aquela criança minúscula mais queria naquele momento era aquele casal, falou que venderia, mas não por dinheiro. Eu deveria dar dois ovos pra ele quando elas botassem. Claro, aceitei a oferta e fiquei em êxtase. Voltamos pra casa com a gaiola e a promessa nunca foi cumprida....

No dia seguinte, ao tentarmos preparar o galinheiro improvisado, a fêmea fugiu pro terreno de trás. Foi uma decepção enorme... E uma tristeza tão sincera que muita gente se mobilizou pra resolver a situação. A vizinha, que tinha ido ao supermercado ou à padaria, voltou com uma caixa pra mim. E pra mim surpresa, o que tinha lá? Uma galinha preta! Um pouco maior que a original, mas funcionaria! Nesse meio tempo, o caseiro também se mobilizou e foi para o mato com o cachorro tentar buscar a original, com sucesso! No fim do dia, eu já tinha minhas primeiras cinco galinhas! Mas elas precisavam de nomes e eu nunca fui muito criativa pra isso. Mamãe deu a ideia de Ney Matogrosso e Zélia Duncan. Aquele galo de penas exuberantes e coloridas não podia ter nome melhor!

Com o passar do tempo, foi feito um galinheiro de verdade e foram chegando outras galinhas. Eu amava ficar no galinheiro, dando couve, cuidando das galinhas ou tentando pegá-las no colo, sem sucesso. Às vezes, eu simplesmente sentava no chão e ficava observando o movimento por ali. A galinha preta, que ainda não tinha nome, foi se mostrando atrevida, enfrentava as outras sem dó e acabou ganhando o nome de Cássia Eller. Ela fugia sempre e de tanto que eu insisti, acabou virando quase uma galinha doméstica. Quando chegávamos aos finais de semana, ela vinha nos receber, mesmo à noite. Se, por um lado, não gostava de se misturar com as outras  galinhas, por outro, adorava a nossa companhia, deixava que a pegássemos no colo e comia diretamente da nossa mão. Às vezes subia no banco ou no nosso ombro na hora do almoço pra pedir comida. A produção de ovos demorou a acontecer e sempre foi bem escarça, e, consequentemente, os primeiros pintinhos custaram a nascer. E os primeiros ovos e os primeiros pintinhos foram justamente os da Cássia: uns pretinhos como ela e uns amarelos. Com frequência, ela subia até a varanda para darmos pão pros filhotes. Eles chegavam fazendo o maior barulho e, quando estavam de barriga cheia, voltavam pra grama pra ciscar. A presença da Maggie, nossa poodle que também tentava conquistar umas migalhas, nunca foi um problema, e pra mim aquilo era a maior festa: cachorro, galinha, pintinhos, todos juntos! Certa vez um dos franguinhos pulou da varanda, que ficava no segundo andar. Recebeu o nome de Kamikase.

Cássia Eller


Maggie e as galinhas. Ney e Zélia estão à esquerda da foto

Uma vez um colega do meu pai foi passar um dia lá e levou de presente dois franguinhos branquinhos, que chamei de Lila e Dalila. Acho que a essa altura nem preciso dizer que todas as galinhas tinham nome e que nunca matamos nenhuma delas. Enfim, a Dalila já chegou meio doente e não viveu muito tempo. Já a Lila se desenvolveu super bem. Bem até demais... Ela foi crescendo, ganhando crista, esporas e aí, quando começou a cantar, achei que deveria mudar o nome para Lilo. Quando eu falava dele, me perguntavam com frequência se o nome vinha do filme Lilo & Stich, que foi lançado mais ou menos naquela época. Eu dizia que não e contava com maior prazer a história do nome. Talvez isso não faça sentido pra maioria das pessoas, mas o Lilo também era super tranquilo e carinhoso. Ele sempre ia até mim nas minhas visitas ao galinheiro, comia direto na mão e deixava que eu o pegasse no colo.

Ney no fundo e, na frente dele, Dalila. Na frente, a Lila, branquinha, Supla e Ângela

Quando o Lilo já era Lilo e comia na mão

Também teve a Mel. Ganhei a Mel de amigos dos meus pais, quando ela era só um pintinho. Ela ainda era pequena e decidimos deixá-la conosco por um tempo. Isso significava que ela, assim como a Maggie, ficaria no apartamento em BH durante a semana e, no final de semana, iria para Lagoa Santa. No apartamento, fizemos um cercadinho pra ela na varanda, onde eu passava boa parte do tempo e, às vezes, a deixávamos solta pelo apartamento, onde ela e a Maggie conviviam super bem. A hora do café da manhã era especial e, logo que meu pai se sentava à mesa, a Mel começava a piar na maior altura para pedir pão. Já em Lagoa Santa ela ficava solta pra explorar o terreno e ciscar mas ela nunca se afastava muito de nós. Foi então que notamos uma inchaço na cabeça dela, como se fosse uma bolha. O caseiro, que já não era o mesmo do cachorro, disse que era comum, bastaria furar com espinho de laranjeira e o problema se resolveria. Mas não resolveu. Levamos a Mel no veterinário que diagnosticou um tumor. Foi feita uma cirurgia no pintinho que voltou pra casa com três pontos e um curativo enorme na cabeça. Mas ela não resistiu por muito tempo. Acontece que o tempo é implacável e as galinhas não são exatamente bichos longevos. Uma vez, brincando com a Maggie, quase pisei nela e vi que ela estava na escada, completamente prostrada. Chamei meus pais desesperada e a levamos correndo pro veterinário. Infelizmente ela não sobreviveu.


Foram várias as galinhas que passaram por lá: o galinho Garnizé de penas arrepiadas ganhou o nome de Supla. A galinha mais gorducha, Angela Ro Ro (que também era bem mansa, por sinal). As galinhas d’Angola nunca ganharam nome, acho que porque eu não sabia distinguir as duas. Nunca matamos nenhuma galinha. Jamais teríamos coragem de matar ou de comer qualquer uma delas. Mas com o tempo a população de galinhas começou a diminuir. As que eu era mais apegadas acabaram morrendo e só sobraram umas poucas. Eu já era adolescente e ficava cada vez menos no galinheiro e a despesa com manutenção foi ficando meio alta. E com isso o fim do galinheiro. Meus pais acabaram dando as poucas que sobraram com a condição de que não as matariam. Mas quem sabe se cumpriram a promessa ou se fizeram como eu fiz alguns anos antes...

 


Comentários

  1. Vc esqueceu da falar que a Cássia Eler morreu na boca do Plutão, o pastor alemão dos vizinhos...

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  2. E do Supla atravessando a piscina nadando...

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