Universidade de Siena
Siena, além
de turística, é uma cidade universitária. A cidade tem pouco mais de 52000
habitantes e duas grandes universidades: a Università degli Studi di Siena
(Unisi) e a Università per Stranieri di Siena (Unistrasi). Eu fui pra estudar
na Unisi, através de um convênio
que ela tem com a UFMG. Quase todos os estudantes estrangeiros são europeus que
fazem intercâmbio através do Erasmus, um programa de bolsas entre universidades
da Europa. Embora eu não o seja oficialmente, também sou chamada Erasmus, por
ser mais fácil.
A escolha das disciplinas
Na semana
do meu aniversário, em outubro,
começaram também as aulas na Universidade. O sistema de lá é bem diferente em
relação ao do Brasil, o que é bom por um lado, mas devido à desorganização
acaba ficando meio complexo. Acontece que não temos que fazer matrícula nas
disciplinas previamente, mas um plano de estudos, que pode ser entregue até
metade do semestre, e depois inscrição para as provas finais. Outra grande
diferença é que lá a presença não é obrigatória e muito professores, inclusive,
dão provas diferentes para alunos frequentantes ou não. Isso significa que é
possível, por exemplo, que o aluno (principalmente estrangeiro) frequente algumas
aulas, avalie se a disciplina interessa ou não e decida qual vai frequentar.
Isso por um lado é ótimo, pois nossas escolhas de disciplinas são mais
conscientes, mas por outro não existe uma preocupação da universidade em
padronizar os horários das aulas (eu tive uma disciplina, por exemplo, cujas
aulas eram segunda de 18h às 20h, quarta de 14h às 16h e quinta de 9h às 11h). Dessa
maneira fica impossível montar uma grade na qual não coincida nenhum horário de
aula. Como eles não ligam para presença, isso é um problema menor para eles do
que para a gente.
Depois de muito custo
pra aprender a mexer no sistema, pra achar disciplinas cujos horários não
batiam, etc. consegui montar minha grade, com três disciplinas: “Sociolinguística”,
“Gramática italiana” e “Gramática italiana com elementos de didática do
italiano para estrangeiros”, sendo que as duas últimas eram com um mesmo
professor. Só tinha um problema: no caso das duas últimas, não consegui
encontrar no site onde as aulas seriam ministradas, e então mandei um e-mail
para o professor perguntando. A resposta foi bem desanimadora: os cursos seriam
dados na sede de Arezzo, logo, não teria como frequentá-los e eu deveria
recomeçar minha busca... As aulas começariam em um dia e eu não podia perder
tempo.
Tentando montar minha grade... |
Sociolinguística ficou
na grade. Era a única disciplina específica de linguística que eu conseguiria
fazer. Escolhi então “História das
Tradições Populares” e “Civilizações Medievais”. A primeira de Antropologia, a
segunda de História. Tudo bem, pelo menos pareciam ser interessantes e os
horários não batiam. No dia seguinte tive aula de todas as disciplinas. Amei
Sociolinguística, História das Tradições Populares pareceu bem legal e detestei
Civilizações Medievais. Isso significava que eu não podia perder tempo e
deveria escolher outra. E a saga recomeçava. Depois de muito revirar o site e
pesquisar todas as minhas possibilidades, descobri “Língua e Sociedade na Europa”, com o
mesmo professor de Sociolinguística, o professor A. Tosi. O problema é que o
horário da aula de segunda-feira batia com o de História das Tradições
Populares, com o F. Mugnaini. Paciência, era isso ou nada. Acabei ficando.
Palazzo di San Galgano, onde eu tinha aula de Antropologia. |
Prédio principal de Engenharia e Letras - Palazzo San Niccolò |
Pavilhão externo do San Niccolò, onde eu tinha aula de Sociolinguistica segunda à tarde. |
Em sala de aula
Sociolinguística é
disciplina obrigatória do segundo ano do curso de Comunicação (o curso de
Letras é voltado pra Literatura...), então a sala era bem cheia, com cerca de
90 alunos. Já Língua e Sociedade na Europa tinha só uns 10. E metade dos alunos
era Erasmus. No entanto, como a presença não é obrigatória, quem vai quer realmente
estar lá e os alunos são bem interessados. Não tem essa história de ficar
mexendo no celular ou de levantar pra tomar café ou ir ao banheiro o tempo
todo, até porque a disposição das salas é diferente: ao invés de carteiras
individuais, as carteiras são dispostas lado a lado como em um auditório.
Então, a não ser que você esteja no canto, é impossível levantar! E mesmo quem
está no canto não levanta. Pra mim foi um desafio enorme ficar 2h sentada. Sim,
porque as aulas duram duas horas. As aulas com o professor Tosi eram mais
tranquilas. Ele tinha um acordo com as turmas de que as aulas de 9h começam
9h30. As outras aulas começavam pontualmente mas tinha um intervalo no meio, ou
então ele terminava mais cedo. Já o outro professor falava duas horas sem
parar. E por mais interessante que fosse o assunto, duas horas é tempo demais!!
Outra característica, pelo menos dos meus professores, é que as aulas não eram
muito participativas. Eles até dão espaço pra perguntas e comentários, mas não
é que estimulem muito. Na minha turma mais vazia até tinha um pouco mais de
espaço, mas confesso que às vezes ficava frustrada pois passavam milhões de
coisas na minha cabeça e tinha que guardá-las pra mim. O professor já não me
dava muita abertura por eu não ser europeia e, pra piorar, reparou (e comentou)
no meu sono constante. Deve ter me achado super desinteressada...
Palazzo di San Galgano |
Muito amor por esse prédio! |
Corredor do San Niccolò |
Sala de aula do pavilhão externo |
Uma outra
característica dos alunos é que todos anotam o que o professor fala, e anotam
muito. Pelo menos os meus professores não tem hábito de escrever no quadro e
(ainda bem!) muito menos de Power point. No máximo o professor de Antropologia
projetava vídeos ou imagens, mas aí era coisa interessante. E eles usam caneta.
Todos. Isso pode parecer só um detalhe, mas eu sei que nas escolas brasileiras as
crianças têm que usar lápis por muito tempo e muitos preferem usar
lápis/lapiseira ao invés de caneta. Quando eu estudei na escola italiana, até as
crianças menores tinham que usar caneta. Enfim, eu sou a única a usar lapiseira
e amigos meus acharam isso super estranho. Só então percebi que esse detalhe
fazia diferença. E outra: caderno quadriculado. Sei que também é um resquício
dos tempos de escola. Enquanto no Brasil usamos cadernos pautado, quando
estudei na escola italiana eu tinha que usar caderno quadriculado nas
disciplinas que eram dadas em italiano: matemática, ciências, geografia,
história... E não tem essa de caderno decorado, folha colorida, com bichinhos
(que eu particularmente não gosto). Nunca nem vi vendendo...
Sobre os professores:
eles não são disponíveis como os professores no Brasil. Nem todos, claro, mas a
maioria não é. Existe uma distância maior, o tratamento entre aluno e professor
é bem formal e frequentemente não existe essa história de “perguntar uma
coisinha depois da aula”. Quando acaba a aula o professor junta as coisas e vai
embora. Qualquer pendência é tratada no “orario di ricevimento” (“horário de
recebimento”? Não, deve ter uma tradução melhor pra isso...) do professor ou,
no máximo, por e-mail.
Sobre as disciplinas: eu particularmente, apesar de sentir falta da participação dos alunos nas aulas, gostei da maneira como minhas disciplinas foram conduzidas. Em todas elas tinha um aspecto histórico forte, eu gostei disso. Eu não gosto muito de linguística diacrônica (aquela que diz que antes alguma coisa era de um jeito e agora é de outro), mas a contextualização histórica pra explicar os fenômenos (tanto linguísticos quanto antropológicos) foi muito boa. No início senti falta de conceitos e coisas assim, mas depois vi que estudei coisas que não teria acesso no Brasil (ao contrário de conceitos), como um entendimento do que seja a União Europeia e a questão linguística super complexa que a envolve. Enfim. Achei minhas aulas muito ricas!
Avaliações
Sobre as provas: geralmente
é feita só uma prova no final do semestre e precisamos nos inscrever no site.
Quando eu digo só uma prova significa que os pontos não são distriubuídos ao
longo do semestre, mas apenas na prova final. Alguns professores dão a chamada “Prova
intermédia” pra compor a nota, mas nem todos. A parte interessante é que são
oferecidas várias datas para o aluno fazer a prova e cada um escolhe. Eu, por
exemplo, tinha escolhido a primeira chamada pra fazer a prova de História das
Tradições Populares, mas como não estava me sentindo preparada cancelei minha
inscrição e me inscrevi pra fazer uma semana depois. E fez toda a diferença.
Outra vantagem desse sistema é que, se o aluno for mal, pode se inscrever em
uma data posterior e fazer a prova de novo. E o currículo não fica manchado com
aquela nota baixa, é a maior que conta e pronto. O sistema de avaliação varia
muito. A maioria dos professores faz prova oral que eu, particularmente,
prefiro. Alguns fazem a prova diante da turma toda, mas meus professores a
fizeram separadamente, no gabinete. Alguns professores pedem uma tesina, que é
um trabalho escrito pra ser entregue no final do semestre. Em alguns casos,
como eu já disse, o método de avaliação varia no interno da turma, entre
frequentantes ou não. Poucos fazem prova escrita como estamos acostumados e eu
prefiro o sistema de lá.
Alguns professores facilitam a vida do aluno
estrangeiro e, no meu caso, meus dois professores facilitaram. No caso do Tosi,
não tivemos que fazer tesinas como os italianos e fizemos apenas provas orais.
Já o Mugnaini deu provas orais pra todo mundo, mas pegou mais leve na avaliação
dos estrangeiros. No meu caso tive muita dificuldade com os textos da
disciplina dele pois era um assunto totalmente novo pra mim. Comecei a leitura
do texto teórico que embasava a disciplina e em certo ponto percebi que estava
perdendo tempo pois não estava entendendo e fixando absolutamente nada. Eu
tinha pouco tempo e tive que tomar uma decisão: ou eu lia tudo, ou eu lia um ou
dois textos (livros, no caso) bem lidos.
Eu, a Antropologia e o desespero. |
Sala de estudos da minha residência - Sperandie |
Decidi recomeçar minha leitura mas
fazer uma boa leitura. Comprei um caderninho (gosto de estudar escrevendo,
embora perca MUITO tempo com isso) e comecei a dissecar o texto teórico. Como
eu disse, não consegui fazer isso a tempo da primeira chamada, então me inscrevi
pra segunda, uma semana depois. Terminei de ler o livro teórico na véspera e
resolvi encarar o professor assim, com apenas um dos 4 livros lido. Na hora da
prova o professor me perguntou o que eu tinha lido e falei a verdade. Ele falou
que se eu fosse um aluno regular me mandaria voltar outro dia com tudo lido,
mas, como eu era estrangeira, ia me deixar fazer a prova. No fim das contas
tirei 28 em 30. Mesma nota de uma conhecida minha brasileira que tinha lido
tudo... Acontece que o professor falou que viu meu esforço e falou que dentre
os estudantes estrangeiros eu consegui aprofundar mais a leitura e entender bem
o texto lido, fazer relações e tudo mais. Ou seja, no fim das contas fiz a
escolha certa. Nas outras duas disciplinas tirei 30 em 30 e fiquei bem feliz
com os resultados!
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