Coisas que ninguém te conta sobre trabalhar Disney!

No último post falei sobre algumas dificuldades que eu e pessoas próximas enfrentávamos morando na Disney, mas e o trabalho? Ah o trabalho... Pra começar, é importante deixar bem claro que, ainda que estejamos na Disney, se trata de trabalho! Isso significa que temos sim responsabilidades, que temos horários rígidos e temos que ser pontuais e estar com visual impecável (o que significa estar com costume – uniforme de trabalho – completa e limpa, incluindo meias, nametag no lugar, barba feita, no caso dos homens, e, no meu caso, com unhas cortadas, sem esmalte e cabelo preso).

Treinamento

Os CP’s e ICP’s (estudantes universitários que trabalham na Disney, eu era ICP) costumavam ser responsáveis por fechar a Sleepy Hollow, então fomos treinados para isso, o que significa, em primeiro lugar, que meus treinamentos terminavam bem tarde. Acontece que, como já falei, fechar a Sleepy Hollow era extremamente trabalhoso, de modo que, embora o tempo previsto para o fechamento fosse de 1h, nunca terminávamos em tempo. Assim, se estávamos escalados para fechar sempre saíamos de 30 minutos a 1h depois do horário previsto. Como éramos pagos por hora, pelo menos recebia por esse tempo extra! 



O grande problema do treinamento, porém, é que tem MUITA informação pra uma semana só e era bem pesado e cansativo. O meu inglês melhorou muito enquanto eu estava lá, mas ele nunca foi tão bom e minha maior dificuldade era entender o que as pessoas falavam. Principalmente no início – ou seja, no treinamento – eu tinha que prestar muita atenção pra entender tudo, então ficava mais cansativo ainda. Fora o vocabulário específico... Custei a aprender que “rede de cabelo” era “hairnet” e não “nethair” ou que a coisa que usávamos pra transportar outras coisas chama “Dolly”, que o carrinho térmico que usávamos para transportar gelo ou turkey leg chama “cambro” etc.. Eu confesso que muitas vezes eu não entendia o que estava sendo falado então tinha que pedir pra repetir ou, muitas vezes, simplesmente repetia o que eu via as outras pessoas fazendo ou ignorava. Como só fui treinada com americanos, não tinha a quem recorrer. Algumas coisas que deixei de aprender fizeram falta na vida real, mas nesses casos eu perguntava pra alguém e, de modo geral, meus colegas de trabalho tinham muita boa vontade pra ajudar.


Horário de trabalho e folgas

O horário de trabalho na Disney varia muito entre o que a pessoa faz (se trabalha em restaurantes, lojas, brinquedos, etc.) e onde trabalha, mas eu fui dessas que trabalhei demais! Além do horário que nos dão a cada semana, é possível pedir pelo sistema por mais horas ou para trabalhar em outros lugares além do próprio local de trabalho. Tem gente que pega hora extra nos dias de folga e chega a trabalhar mais de 80 horas por semana, mas eu não abria mão de pelo menos uma folga.  No entanto, a demanda onde eu trabalhava era muito alta, então em dezembro eu fazia no mínimo 50 e poucas horas por semana que incluíam minha grade regular mais as horas extras. Na semana do Natal, fiz 74h de trabalho, com um dia de folga. Isso significa que fazia mais de 10h por dia... 



Nessa semana peguei shift extra no domingo, que eu tinha folga e no sábado. Mais as horas extras, completei as 74 horas.




Acontece que o Magic Kingdom, onde eu trabalhava, ficava bem longe de onde morávamos e demorava cerca de 1h de ônibus pra chegar lá. Fora a espera pelo ônibus que, na volta pra casa, podia ser bem longa! Dependendo do horário, principalmente de madrugada, o ônibus podia demorar até 40 minutos pra chegar no ponto... Ou seja, dependendo do dia, eu saía do trabalho 2, 3 da manhã e chegava em casa quase 2h depois, pra dormir umas poucas horas e acordar no dia seguinte, tomar banho e voltar pro trabalho. 


Ah, o ponto de ônibus!
After shift
Nem preciso dizer o quanto eu ficava cansada, e, como já sou uma pessoa sonolenta normalmente, eu ficava ainda pior. No trabalho, eu podia pegar bebida de graça, então sempre pegava um copão daquele café americano horrível. Em um certo ponto, nem café adiantava e eu passei a tomar energético: era um Monster por dia! O Lucas sempre me xingava pelo excesso de Monster, mas era a única coisa que me mantinha viva. De vez em quando também comia barrinha de chocolate com cafeína que também não fazia muito efeito, mas era bem gostosa!


Dois amores: Maca e Monster




A semana do Natal

Meu natal foi bem triste. No dia 23 de dezembro trabalhei 14,5h e voltei cedo pra trabalhar no dia 24. Faríamos uma ceia lá em casa e eu chegaria tarde, mas chegaria. Pouco antes dos fogos de natal meu coordenador pediu que eu ficasse até o fechamento da Sleepy Hollow, 1h da manhã. Fiquei. Isso significa que naquele dia trabalharia outras 14,5h. Ganhei mais um break e, quando voltei, ele pediu que eu fosse do lado de fora repor o condiment bar (onde ficam canudos, guardanapos, talheres, etc.). Como já tinham começado os fogos de Natal, não tinha NINGUÉM lá. Eu estava cansada e triste, me sentindo sozinha. Provavelmente muitos dos meus amigos já estariam reunidos para o natal e eu nem podia parar para ver os fogos. De repente chegou um menino, com uns 13, 14 anos e ficou me olhando. Olhei pra ele, sorri. Ele sorriu pra mim, olhou minha nametag e me desejou Feliz Natal. Em português! Foi um momento muito simples, mas que significou muito pra mim! Me senti acolhida e foi um desses momentos em que a magia da Disney fez todo sentido! 


Sobre trabalhar na festa de Natal! Foto: Gui Simionato
Cheguei em casa por volta de 2h da manhã e quando estava terminando de subir as escadas (era um desses momentos em que morar noterceiro andar era uma coisa terrível!) escute vozes conhecidas. A ceia no meu apartamento tinha acabado de acabar e o pessoal estava indo pra casa da Nina e da Bella onde o Uai ia ser reunir. As meninas me chamaram pra ir junto, mas lembro de escorar na parede sem conseguir reagir. Eu queria muito ir, mas eu simplesmente não tinha forças. Estava esgotada! Então eles foram e eu fiquei. Chegando no quarto as meninas tinham deixado bilhetinhos e presentinhos em cima da minha cama! Sentei no chão e comecei a chorar muito, como nunca acontece. Eu estava triste por não estar com todo mundo, mas aquilo realmente significou muito pra mim! Mandei mensagem agradecendo e elas voltaram pra ficar comigo! Eu com certeza estava rodeada das melhores pessoas!


Sobre o Natal que não participei...
No dia 25 fui trabalhar cedo, umas 11h. Às 10h da manhã o parque já tinha atingido a lotação máxima e a Sleepy Hollow estava um verdadeiro caos de tão cheia! Fui escalada pra ficar fazendo waffles, que era a posição que eu mais odiava. Eu que era lenta na produção tive que me esforçar muito pra aumentar o ritmo, mas estava difícil. Pra piorar, o monitor no qual recebíamos os pedidos estava quebrado e o caos só aumentou! Foi a maior correria! O bom é que nessa hora não dava pra lembrar de Natal, nem de cansaço, nem de nada! Sobrevivi!


Claramente animada!
Além disso tudo, durante o horário de trabalho, para manter o padrão Disney, não podemos sentar, só nos intervalos. Isso significa que em um dia com 12, 14 horas de trabalho serão pelo menos 10, 12 horas em pé. E não, o tempo do intervalo não é suficiente pra descansar... Eu particularmente já estou acostumada a andar muito e a ficar em pé, então eu não sofri tanto com dor no pé. Por mais que eu sentisse dor, era só eu chegar em casa, por o pé pra cima e no dia seguinte estava nova! Mas teve gente que ficava com os pés bem inchados e doloridos por vários dias, mesmo depois de voltar pro Brasil! Por incrível que pareça eu sentia menos dor quando eu trabalhava mais, porque o corpo ficava quente o tempo todo... Nos dias de menor movimento, em que eu ficava em pé parada sem fazer nada, o corpo esfriava e eu tinha tempo pra lembrar da dor.

No último dia da semana antes da minha folga, eu estava simplesmente acabada. O pé nem doía tanto, mas a coluna sim, e eu mal conseguia ficar em pé. Eu estava trabalhando na Frontierland e simplesmente esqueceram de me liberar pra ir embora. Chamei manager, chemei quem pude e cada minuto ali em pé no carrinho de churros parecia uma eternidade! Quando finalmente fui liberada, precisei tomar um remédio pra dor, senão não ia dar conta. Eu ainda tinha mais 6h de trabalho e ia fechar a Sleepy Hollow aquele dia. E foi a única vez que precisei de remédio pra dor.





Ano novo

A semana do ano novo foi bem mais tranquila! Trabalhei cerca de 60 horas e, considerando o ritmo da semana anterior, não foi nada! Na virada eu trabalhei das 18h às 3h. Estava um dia lindo e de manhã eu, Camila e Maca fomos ao Typhoon Lagoon, um dos parques aquáticos da Disney! Foi uma manhã maravilhosa, relaxamos, pulamos 7 ondinhas na piscina com onda e ainda consegui queimar um pouquinho! Fui trabalhar super relaxada e de bom humor! Encontrei a Re, que trabalharia no mesmo horário que eu na Adventureland e vimos que trabalharíamos no mesmo horário! Demos abraço de Feliz Ano Novo no break e depois do trabalho. Antes do break eu fiquei no Market e tinha momentos em que a fila ficava enorme! Nessas horas tudo acontece: acaba o papel da máquina registradora, acaba fruta... E eu tive que cuidar disso tudo enquanto a fila do outro caixa só crescia! Depois do break fui pro caixa da Sleepy Hollow. Tinha DJ na Main Street e a música estava muito boa! Mesmo trabalhando, curti bastante a noite! O clima no Magic Kingdom estava ótimo! Na hora dos fogos, fomos todos pra varandinha da Sleepy pra ver! Foi maravilhoso e eu estava super animada! Saindo do trabalho, ainda fui pra uma festa com a Re! Resultado: dormi 3h à noite e estava um zumbi no dia seguinte. Nem Monster salvou! Eu tava tão cansada que esqueci de bater ponto no final do trabalho...


Foto: Re Pastore

Um trauma: Turkey Leg


O meu pior dia de trabalho foi na primeira semana de janeiro, no dia que eu tive que fechar o carrinho de Turkey Leg. Acontece que naquele dia os CP’s americanos tinham ido embora. Embora tenham chegado outros depois, eu tinha ficado muito próxima de alguns deles e estava bem triste com a saída deles. 

No meu último intervalo do dia, eu estava na breakroom e o pessoal começou a conferir no sistema quem ia fechar o que, e viram que eu ia fechar a Turkey Leg. Sozinha. Eu fiquei sem reação porque eu não tinha sido treinada para aquilo (acontece) e não fazia ideia do que tinha que fazer. Meu coordenador tava por perto e eu falei isso com ele. “You’re smart Paulina! You can do it!” Fiquei meio brava com essa resposta mas imaginei que ele fosse fazer alguma coisa em relação a isso. Quando acabou meu intervalo, de fato fui pro vagão de turkey leg, onde fiquei sozinha até às 20h, quando começou o Wishes, o show de fogos do Magic Kingdom. Por um instante respirei aliviada. De onde eu estava eu podia ver e ouvir o Wishes, e aquilo me fazia esquecer de todos os problemas! 

De repente, chegaram duas GT’s, as pessoas responsáveis por mexer com o dinheiro. Estava na hora de fechar a Turkey Leg e elas foram recolher o caixa. Foi quando eu me dei conta de que de fato eu estava sozinha e tinha que lidar com aquilo! Eu fiquei meio desesperada porque não sabia nem por onde começar! Esqueci o Wishes e fiquei sem reação encarando o carrinho, até que chegou o Juan, um colega de trabalho que foi recolher as turkey legs. Ele me acalmou e me explicou mais ou menos o que eu deveria fazer. Basicamente, eu deveria limpar toda a gordurada de turkey leg do carrinho. Eu fui na Sleepy, busquei baldes com água, sabão, desinfetante, um monte de panos e comecei o trabalho. Aquele dia estava meio frio e a gordura tinha solidificado então estava bem nojento! Mas eu tinha que encarar. 

Fui me virando, lerda como sou, até que já passava das 21h quando eu travei de novo. Eu realmente não fazia ideia de como continuar. Àquela hora eu já estava super nervosa com aquela situação toda e voltei pra Sleepy pra pedir ajuda. Encontrei o coordenador com quem eu tinha falado antes e disse pra ele que não fazia ideia do que eu precisava fazer. Disse que eu sabia que fechar fazia parte do trabalho, que eu faria tudo, mas que eu precisava de alguém pra me explicar o que fazer! Ele viu meu desespero – eu estava bem brava! – mas estava ocupado e chamou uma outra coordenadora que até então eu odiava, pra me orientar. E aquilo só me deixou mais nervosa. O Richard, um outro colega de trabalho meu, veio também e eu só lembro de virar e sair andando, pisando forte como eu faço quando estou nervosa. 

No meio do caminho as lágrimas começaram a escorrer e só chegando lá eu vi que a minha coordenadora não tinha ido, só meu colega de trabalho. Respirei fundo e tentei me acalmar. O Richard viu que eu estava nervosa, ignorou o quanto eu estava fedendo a gordura e me abraçou. Consegui me acalmar e ele então foi vendo o que eu tinha feito, me explicou o que faltava fazer e me ajudou a terminar. Nesse meio tempo, repetiu várias vezes que eu tinha feito um ótimo trabalho, que eu tinha feito uma boa parte do trabalho e sei lá o que.  E aquilo tudo me acalmou e me deu ânimo pra terminar. 

Eram umas 22h quando terminamos e lembro dele me elogiar falando que eu tinha ido muito bem fazendo tudo pela primeira vez em apenas uma hora! Eu disse que, na verdade, tinham sido duas, mas ele falou que era a minha primeira vez fazendo aquilo, então tudo bem! Eu tinha, então, que ir atrás da minha coordenadora pra avisar que tinha terminado. Aquela mesma que eu odiava. Acontece que quando fechamos, eles precisam conferir se está tudo certo antes de nos liberarem pra ir embora.  Antes de voltar pra Sleepy Hollow, o Richard me falou que não importava o que ela falasse comigo, eu tinha feito um ótimo trabalho e tentei focar nisso. 

Na hora que encontrei a coordenadora, uma surpresa: ela foi incrivelmente legal comigo, como nunca tinha sido antes! Ela viu o quanto a situação foi estressante e me pediu mil desculpas por ter me deixado sozinha, disse que não sabia que era minha primeira vez fazendo aquilo e que eu deveria ter avisado e tal. Eu disse que tinha falado com o outro coordenador e pela resposta dele eu achei que não tivesse nada a ser feito. Ela disse que eu tinha feito um ótimo trabalho e que poderia contar com ela para o que precisasse, tanto em relação ao trabalho quanto em relação a coisas sobre o meu programa e tal. Depois desse dia nossa relação melhorou muito, mesmo não ficando tão próxima dela. E, coincidência ou não, nunca mais fechei a Turkey Leg!


Encarando o frio


Em meados de janeiro esfriou muito em Orlando. Muito mesmo! No entanto, dentro da política em relação ao uniforme de trabalho, também havia regras rígidas em relação às roupas de frio. O meu casaco do uniforme era um sobretudo cinza grande e pesado que, dizem, parece o casaco do Harry Potter. Acontece que, apesar da aparência ele não esquentava tanto assim. Podíamos também usar uma blusa branca de manga comprida por baixo do uniforme que, adivinhem, também esquentava pouquíssimo! Ou seja, nos dias mais frios esse combo não adiantava tanto. Quando estava no caixa eu podia até usar luva, mas eu particularmente tinha dificuldade pra manusear o dinheiro com ela. Além disso, o monitor do caixa era touch screen e não conseguia fazer os pedidos se estivesse de luva. Com isso minha mão feriu toda de tão seca que ficou por causa do frio! 




Além disso, o casaco era enorme pra mim! Os meus braços são curtos e mesmo pegando o menos casaco de todos, a manga sempre ficava longa. Se eu estivesse no caixa, dobrava a manga e ficava tudo certo. Se estivesse mexendo com comida tinha que tirar o casaco porque senão encostaria nas coisas! Pelo menos a fritadeira do funnel cake e as máquinas de waffle eram quentinhas...


Também tinha o market. Quando eu estava lá ficava praticamente só no caixa. A vantagem é que eu podia ficar de casaco, a desvantagem é que como era aberto, nos dias frios ventava e o casaco não adiantava muito. Para fechar, porém, a manga do casaco sempre atrapalhava na limpeza e eu acabava tirando... Pior ainda era quando eu limpava o freezer onde ficavam armazenadas as frutas. Eu tinha que tirar todo o gelo e deixar o freezer sequinho. Era um freezer fundo e, como sou baixinha, tinha praticamente que entrar dentro dele. Eu ficava com a mão congelando, toda molhada, à noite e no frio. E não era legal. 


Caixa do Market. A manga do casaco estava dobrada. Foto: Macarena Gutierrez
Por fim tinha a questão da meia calça. Como eu trabalhava de vestido, eu poderia usar meia calça branca ou cor da pele. O problema é que eu só tinha meia-calça preta e acabava encarando o frio nas pernas por preguiça de comprar outra e por achar que o frio passaria e daria tudo certo. Teve uma noite, porém, que esfriou muito, muito mesmo. E eu só tinha minha meia-calça preta. Resolvi usar... Era melhor que nada, se alguém falasse alguma coisa eu tiraria. Estava na breakroom esperando pra começar a trabalhar quando chegaram umas meninas que estavam em treinamento. Imediatamente uma delas olhou pra mim e perguntou para o treinador algo do tipo "Nossa, nós podemos usar meia-calça preta??" Não podíamos. Eu sabia disso, ela sabia disso. Não lembro como seguiu a conversa, mas lembro que falei que estava frio e que era a única que eu tinha. Se fosse problema eu resolveria com algum manager. No fim das contas, managers e coordenadores me viram e ninguém falou nada. 

Enfim... Além disso tudo, tinha as dificuldades que todo mundo que trabalhava como Quick (trabalho em lanchonetes/restaurantes) enfrentava. Mas deixarei para o próximo post, no qual falarei mais sobre essa tão amada/odiada função!


Magic Kingdom people!

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